Desacordo Ortográfico
Há um tempo atrás eu dizia e repetia que não andava apreciando muito a ideia (sim, aderindo...adeus agudo) imposta para algumas mudanças de acentuação e outras cositas más (para além do espanhol, em bom português, incidentalmente o adjetivo desqualificativo). Achava que algumas das justificativas para certas mudanças não eram lá bem justificáveis. Mas o tempo passou e meu grande fascínio pela gramática e pela língua portuguesa me fez carinhosamente parar pra ler mais atentamente o passo a passo histórico e os degraus explicativos que permeiam todas as mudanças do Novo Acordo. No mínimo, um compromisso também de quem trabalha com revisão de texto e tem que estar a par dos regimentos que vêm à tona. Pois bem... comecei a simpatizar, e principalmente entender por que algumas coisas ali dentro da caixa ortográfica pediam remodelação, neotransconfiguração, ampliação do corredor de comunhão do jardim da flor do Lácio entre os lusófonos, muito embora alguns dos porquês me pareceram (e são) meio tortos, especialmente no quesito Hifenização. Os próprios "gramatólogos" assumem: algumas lacunas foram criadas e algumas situações não se encaixam para certas mudanças no uso dos hífens. De fato, me parece que algumas regras, ou essa tal lacuna no porquê de algumas mudanças, fizeram o hífen virar um travessão. Daqueles de trave mesmo, no qual a bola teima em bater em todos os centímetros do seu comprimento, mas hesita em entrar no gol, frustrantes travessões atendendo apenas aos santos milagreiros dos goleiros de calças sujas.
Mas a questão, já não mais pessoal nem girando em torno da minha redoma de interlocuções desconfiadas, é que o acordo anda gerando um certo desafeto por aí. Não sei se do Oiapoque ao Chuí, mas pelo menos do Acre à África e Europa me consta que sim. Não vou me alongar a citar os porquês das indignações extra-continentais. Mas ali no nosso Norte brasileiro a coisa é que "acreano" virou "acriano" e os acreanos andam chateados com isso. Alegam que o Acordo está corrompendo, destruindo, dilacerando toda uma raiz histórica e cultural na tradição da locução adjetiva dos seus conterrâneos. Que eles nasceram acreanos e devem morrer com o E cravado na sua história, entre o fio da caneta e as teclas de digitação. Parece que vão criar um manifesto em nível mais extenso, convidando todos os acreanos de fama espalhados pelo país a integrar o coro dos descontentes, os defensores do E. A Glória Perez e o Armando Nogueira são dois dos nomes listados para convocação no protesto. Segundos os acreanos, quando se usa o termo "acriano", a impressão que se tem é que estão falando de alienígenas, tal a larga faixa que os distancia afetiva, histórica e culturalmente desse novo antropotopônimo. Um "Fórum de Defesa da Nossa Acreanidade" está sendo instalado na Assembleia Legislativa.
Não sei bem o quão determinada será essa manifestação e quais resultados ela suscitará. Mas cá com a minha sopinha de letrinhas esquentando na cuca, concordo com eles... podiam abrir uma exceção e deixar o E dos acreanos em paz, resguardados a manter sua tradição. Não sei bem se eu ia dar um show de desapegos e ficar indiferente caso passássemos, eu e meus conterrâneos, a ser chamados de BAEANOS. Sei lá... "i" no "e" dos outros é refresco... e vice-versa!
Um comentário:
Excelente texto. Sua cara mesmo.
Os africanos da contracultura deveriam ler, e os conservadores dos "portuga" também.
E os tais do Cearences, será que virarão C(i)arences?
Tomara que não... pois, se assim o for, iremos nós dois tropeçar nas linhas nordestinas do "c(i)arez". Ôpa!
E, sem dúvida, passarei a viajar de av(e)õs para Fortaleza.
Obrigada, pois, pelo Evanildo B(i)chara. Digo, Bechara, posto que ele não é bicha nem nada.
Excelente o livro. Usaremos muito. E venham mais obras para criarmos e revisarmos.
Bjs
Piuuuuuuuuuuu
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